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quinta-feira, novembro 23, 2006

Igrejas também morrem

Quais os perigos que ameaçam o futuro do movimento evangélico?

Na Inglaterra, entrei num salão de snooker sentindo náuseas. A vertigem que invadiu o meu corpo foi diferente de tudo que já sentira antes. As mesas verdes espalhadas pelo largo espaço, lembravam-me um necrotério. Eu explico porquê. Aquele salão havia sido a nave de uma igreja, que definhou através dos anos, até ser vendido. O pastor que me levou nessa insólita visita relatou que, na Inglaterra, há um grande número de igrejas que morreram lentamente. Devido aos altos custos de manutenção, só restava ao remanescente negociá-las. Os maiores compradores, segundo ele, são os muçulmanos, donos de lojas de antiguidades e, infelizmente, de bares e boites.
Ao ver o púlpito talhado em pedra com inscrições de textos bíblicos - "Pregamos a Cristo crucificado"; "O sangue de Cristo nos purifica de todo pecado" -, voltei atrás no tempo e lembrei-me de que aquela igreja, fundada durante o avivamento wesleyano, já fora um espaço de muita vitalidade espiritual. As placas de granito e mármore, ainda fixadas nas paredes, mostravam que naquele altar - agora balcão do bar -pregaram pastores e missionários ilustres.
Imaginei aquele grande espaço - hoje cheio de homens vazios - lotado de pessoas ansiosas por participarem do mover de Deus que varria toda a Inglaterra. Perguntei a mim mesmo: "o que levou essa congregação a morrer de forma tão patética?".
Hoje, grandes denominações compram estações de rádio e televisão.
Cantores evangélicos gravam e vendem muitos CD's.
Publicam-se revistas e livros.
Comercializam-se bugigangas religiosas nas várias livrarias, que também se multiplicam.
Quais os perigos que ameaçam o futuro do movimento evangélico? Alguns já se mostram de forma exuberante.
A trivialização do sagrado
Faltam temor e espanto diante de Deus O único medo é o do pastor: de que a oferta não cubra as despesas e os seus planos de expansão. A cultura evangélica este fomentando uma atitude muito displicente quanto ao sagrado. O deus que está a serviço de seu povo para lhes cumprir todos os desejos, certamente não é o Deus da exortação de Hebreus 12:28-29: "Por isso. recebendo nós um reino inabalável retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo agradável, com reverência e santo temor; porque o nosso Deus é fogo consumidor". Se nos acostumarmos com o mistério de Deus e trivializarmos Sua presença, acabaremos colocando-O naj mesma categoria de nossas teologias e ideologias, usos, costumes e preconceitos exportados do império actual. Que osi evangélicos não se comportem como meros moços de recado do templo de César, mas como porta-vozes independentes e autênticos do Evangelho da paz, do amor e da alegria. Evangelho da sanidade, divino, porém humano.

O esvaziamento dos conteúdos
Uma das marcas mais patéticas do tempo em que vivemos é a maçadora repetição de lugares comuns nos púlpitos evangélicos. Frases de efeito são copiadas e multiplicadas nos sermões. Algumas, vazias de conteúdo, criam êxtases sem nenhum desdobramento Servem para esconder o despreparo teológico e a falta de esmero ministerial. Manipulam-se os auditórios, eleva-se aj temperatura emotiva dos cultos, mas não se cria um enraizamento de princípios. Gera-se um falso júbilo, mas não se fornecem ferramentas para criar convicções espirituais. Hannah Arendet, filósofa de século XX, ao comentar sobre o facto de que Eichmann, nazi, braço direito de Hitler, respondeu com evasivas às interrogações do tribunal de guerra que o julgava sobre seus crimes, afirmou: 'Clichés, frases feitas, adesões a condutas e códigos de expressão convencionais e padronizados têm a função socialmente reconhecida de nos proteger da realidade, ou seja, da exigência de atenção do pensamento feita por todos os factos e acontecimentos"
Qual será o futuro dessa geração que se contenta com um papagaiar contínuo de frases ocas que só prometem prosperidade, vitória sobre demónios e triunfo na vida?
A mistura de meios e fins
Por anos, combateu-se a ideia de que os fins justificavam os meios, porque essa premissa justificava comportamentos éticos. Hoje, o problema aprofundou-se. Não se sabe mais o que é meio e o que é fim. Não se sabe mais se a igreja existe para levantar dinheiro ou se o dinheiro existe para dar continuidade à igreja. Canta-se para louvar a Deus ou para entretenimento do povo? Publicam-se livros como negocio ou para divulgar uma ideia? Os programas de televisão visam popularizar determinado ministério ou a proclamação da mensagem? As respostas a essas perguntas não são facilmente encontradas. Cristo não virou as mesas dos cambistas no templo simplesmente porque eles pretendiam prestar um serviço aos peregrinos que vinham adorar no templo. Ele detectou que os meios e os fins estavam confusos e que já não se discernia com clareza se o templo existia para mercadejar ou se mercadejava para ajudar no culto. A obsessão por dinheiro, a corrida desenfreada por fama e prestígio e a paixão por títulos revelam que muitas igrejas já não sabem se existem para facturar. Muitos líderes ja não gastam as suas energias buscando um auditório que os ouça, mas procuram uma mensagem que segure o seu auditório. A confusão de meios e fins mata igrejas por asfixia.
O livro do Apocalipse mantém a advertência, muitas vezes desapercebida, de que igrejas morrem. As sete igrejas ali mencionadas - inclusive a irrepreensível Filadélfia - acabaram-se. Resumem-se a meros registros históricos. Não podemos achar abrigo na promessa de Mateus 16 - de que as portas do inferno não prevalecerão contra a igreja - para justificar qualquer irresponsabilidade. O livro do Apocalipse adverte: "Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te, e volta à prática das primeiras obras; e se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas" (Ap 2:5).

Crescer numericamente não imuniza a igreja de perigos. Pelo contrário, torna-a mais vulnerável. Resta perguntar: Será que agora, famosos e numericamente profusos, não estamos precisando de profetas? Será que o tão propalado avivamento evangélico não necessita de uma Reforma? Aprendamos com a história. Um pequeno desvio hoje pode tornar-se um abismo amanhã. Imaginar que podemos condenar nossas igrejas a se tornarem bares de snooker é um sonho horrível. Porém, se não fizermos algo, esse pesadelo pode se tornar realidade.
Que Deus nos ajude

1 comentário:

  1. A humanidade, e sobretudo, a civilização ocidental e cristã, está de tal maneira confusa e à deriva, atordoada, entediada, atolhada no materialismo ateu, consumista e hedonista, em suma, desesperada, que se tornou louca e doente, e já não se conhece remédio eficaz que contrarie semelhante diagnóstico.

    Procura-se uma Igreja mais apelativa, introduzindo-se nos rituais sagrados um certo contexto festivaleiro, porque, como comentou alguém, "as Igrejas seriam esvaziadas ou transformadas rapidamente se o entretenimento fosse removido e se o povo fosse disposto ao estudo bíblico sério e a uma pregação poderosa que combatesse com firmeza o pecado e o mundanismo na vida do cristão".

    E..., no entanto..., e apesar disso, as Igrejas, esvaziam-se na mesma. É apenas panaceia para entreter e iludir. Logo, logo, se buscam novos divertimentos, porque tudo e descartável. A Mensagem cristã é abafada no meio de um mundo ruidoso e dificilmente consegue enraizar-se e germinar.

    Parece que só nos resta, realmente, dizer: "Que Deus nos ajude!"

    Mas, continuemos a ter esperança e eu hei-de continuar a dizer: "As portas do Inferno não prevalecerão contra Ela".

    "Espalhem bastantes sementes. Algumas germinarão." (João Paulo I, no seu curtíssimo papado, nos deixou esta simples mas profundíssima exortação).

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