Li recentemente a este propósito a opinião de um autor que é
assumidamente de esquerda e que afirma não compreender como pode alguém com essas convicções políticas, tradicionalmente defensoras da liberdade e dos direitos humanos, não
ser contra o aborto. Catalogações à parte, portanto, há, porém, alguns aspectos que, a meu ver, não se pode deixar de referir a este propósito.
Em primeiro lugar, que a vida humana é um dom de Deus e um direito inalienável de qualquer ser humano. Esse direito não depende da vontade de cada qual, nem da apreciação que possamos fazer das situações concretas em que é gerado cada novo ser humano. O caminho que pode parecer mais simples (pelo menos para quem com ele pactua) não é, nesta como noutras situações, o melhor: o aborto não é solução para o que quer que seja, porque é SEMPRE um mal com que se pretende remediar outro mal (ou algo que parece sê-lo). A melhor solução que, sendo bastante exigente, é particularmente difícil de pôr em prática nos tempos que correm, em que há muito quem tenda a satisfazer sobretudo as suas necessidades e conveniências pessoais e se perdeu muito do respeito que a vida merece. Seria «atacar» as raízes do problema, apoiando por todos os meios ao nosso alcance as mulheres que se encontram em situações de angústia e desespero e às quais a nossa sociedadese limita demasiadas vezes a dar o conselho: «Aborta e ficas com o teuproblema resolvido».
Que o digam os milhares de mulheres que, todos os anos, são «empurradas» para este flagelo e que não conseguem conviver com a ideia do aborto que foram levadas a praticar. (A este propósito, são deveras elucidativos os depoimentos chocantes divulgados recentemente pela Associación de Víctimas del Aborto, em Espanha, um país onde o aborto atingirá proporções assustadoras).
E se é certo que é necessário combater o aborto clandestino e que não é solução condenar apenas as mulheres que o fazem, também é certo que as estatísticas que se conhecem indicam que a descriminalização não diminui nem o número de abortos, nem o sofrimento das mulheres que são levadas a praticá-los. Muito pelo contrário.
Em contrapartida, há meios legítimos de planeamento familiar, casais que querem adoptar, instituições de acolhimento e de apoio às mães que, apesar das dificuldades, querem, ainda assim, trazer os seus filhos ao mundo. E será decerto muito mais eficaz deitarmos mãos à obra da prevenção, apoiando as mulheres e as famílias, do que «sacudirmos a água do capote» e fornecermos apenas os meios «clinicamente correctos» (mas sempre muito pouco humanos) para abortar.
Acredito que qualquer ser humano tem uma missão neste mundo e que não nos cabe a nós, os que já cá estamos e tivemos a sorte de ser desejados, decidir se alguém deve ou não nascer com base nas nossas «previsões» do seu futuro.
Quantas crianças nascidas em meios carenciados não singraram bem na vida?
Quantos deficientes não foram oportunidade de aperfeiçoamento para os que com eles privaram?
Quantos meninos nascidos em berço de ouro, com tudo para serem felizes, não acabaram as suas vidas em becos sem saída, obesos que estavam de bens materiais, mas vazios de amor e propósitos para a sua existência?
Quem somos nós para decidir quais devem viver?
O futuro de cada um de nós depende de todos. A vida dos outros também é da nossa responsabilidade. A Deus cabe o dom da vida. A nós cabe-nos preservá-la desde a concepção (porque, em termos humanos, não existem, para mim, «amontoados de células»), apoiá-la, alimentá-la e enriquecê-la com base nos valores perenes que, de acordo com o projecto de Deus para a humanidade, fazem a felicidade do ser humano.
Tenho a sorte de ser mãe de quatro filhos, um dos quais deficiente mental, e de estar ciente de que as dificuldades que sempre implica o papel de mãe são, na medida em que me esforce por superá-las, bem como às minhas limitações, uma óptima oportunidade para me ir tornando um pouco melhor e contribuir para fazer mais felizes aqueles que me rodeiam.
Maria João Favila Vieira Carmona
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