Powered By Blogger

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Um filho, propriedade privada?

O aborto, como é sabido, não é primordialmente um problema religioso. É humano e ético. Mas não deixa de ter implicações singulares na consciência religiosa. Por isso se estranha que alguns olhares convertam o debate em ordem ao próximo referendo numa enviesada piedade para com as mulheres que abortam, e indiferença para com os seres vivos e humanos que são violentamente agredidos. E mais ainda se estranha a invocação da fé católica para se colocar do lado do agressor, como se isso fosse a tolerância, contra o ser indefeso no ventre materno. Como se a piedade e misericórdia apenas assistissem do lado da mãe com detrimento do futuro do filho. Também surpreende a neutralidade de alguns crentes como se se tratasse de tema entregue a profissionais de moral ou a políticos encartados. Nessa lógica, cada cidadão se liberta como pode deste fardo. Há quem prefira não se incomodar com o trajecto dum ser humano gerado, na proximidade das dez semanas, com o coração a bater em pleno e o todo essencialmente constituído. E deixá-lo abandonado a uma decisão circunstancial.
A questão não está essencialmente na condenação moral de quem aborta ou para isso directa ou indirectamente contribui. Está na consequente indiferença à gravidade deste gesto. De tal modo que pede à sociedade que dele se desinteresse, deixando cada caso entregue a opção instintiva.

Convém voltar ao problema pelo lado da parcialidade que a pergunta lançada no próximo referendo revela ou omite. Revela uma parte do problema – a penalização – e omite o outra, essencial - a agressão a um novo ser humano.

Cada pessoa tem direito a decidir em consciência. Mas todos têm o dever de aferir a sua consciência por valores objectivos para além de emoções imediatistas transformadas em propriedade privada. Um novo ser não é um objecto que a mãe pode manipular segundo a sua conveniência. É um ser humano que ganhou a sua autonomia e personalidade, com direitos – está consignado na Constituição portuguesa o direito de nascer – e o respeito que merece o seu itinerário de vida. É tão evidente, que se estranha não seja visto do ângulo da ética natural e até de alguma moral cristã.
Como é possível que o óbvio nem sempre se veja com a luz meridiana que merece?

António Rego in Eclesia


2 comentários:

  1. Qualquer problema moral, é sempre um problema religioso.
    O aborto não pode ser visto, pelo lado de "alguma moral cristã, mas da moral cristã, como, aliás, de qualquer outra religião.

    Toda e qualquer religião é e sempre foi contrária ao aborto e não podia deixar de ser de outra maneira.
    Pois a lei divina tem como fundamento o respeito, a ajuda , o amor, a compaixão, a caridade, a protecção dos seres humanos uns pelos outros e, sobretudo, pelos mais desprotegidos e desfavorecidos.

    Já a lei natural, bem, muitas vezes não passa de uma selvajeria, em que predomina a lei do mais forte sobre o mais fraco.

    ResponderEliminar
  2. Infelizmente, em muitos casos, os filhos são considerados, pelos pais, propriedade privada.

    Demasiadas vezes, nos deparamos com estas situações, quer p'ró bem, quer p'ró mal; mas mesmo p'ró bem é sempre mau.

    Usam os filhos como uma coisa que é deles, que tanto pode ser rejeitada e deitada fora, como usada de uma forma obssessiva, manipulando os filhos a seu bel-prazer, sufocando-os debaixo do seu domínio despótico, tirando-lhes toda a autonomia e possibilidade de crescerem saudáveis -puro egoísmo.

    Mas é assim o ser-humano: cheio de contradições, deficiências e excessos.

    ResponderEliminar