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quarta-feira, outubro 05, 2005

VAMOS TAMBÉM DISCRIMINALIZAR A EVASÃO FISCAL?

“Os deuses cegam aqueles que querem perder."
Esta cruel máxima da antiga sabedoria grega parece estar há muito inválida e esquecida. Mas depois acontecem factos que parecem confirmar a sua terrível verdade. Como o longo processo de legalização do aborto, a que temos assistido ao longo dos últimos anos.
O propósito é normalizar uma prática que todas as sociedades, ao longo de todos os séculos, sempre consideraram horrenda e infame.
Pela primeira vez na História, uma cultura que se toma como civilizada vem fingindo que o aborto é algo normal e recomendável. Este propósito vergonhoso tem gerado dramas e conflitos em todos os países ocidentais.
Entre nós, porém, extravasou em tantos atropelos legais e abusos processuais que o vício do objectivo acaba apregoado pela forma patética que utiliza.
  • A primeira tentativa de legalizar totalmente a prática do aborto foi rejeitada no Parlamento português em 1997.
  • Mas este resultado viu-se desrespeitado pela própria Assembleia que o tinha definido, voltando a votar o mesmo diploma, na mesma legislatura, menos de um ano depois, após ter convenientemente substituído alguns deputados de forma a assegurar o resultado.
  • Tendo finalmente aprovado a lei, o Parlamento voltou a autodesrespeitar-se, propondo a realização de um referendo para confirmar a sua decisão. Estes episódios justificavam, só por si, a inclusão do processo numa antologia mundial de trapalhada legislativa.
  • Portugal votou em Junho de 1998, e o resultado desse referendo significou para o Parlamento apenas uma coisa: tem de haver outro referendo. Foi a única conclusão que os deputados retiraram da vontade do povo. "Enquanto os eleitores não concordarem connosco, vão votar até aprender."
  • Mas, quando se julgava que se tinha atingido o limite da vergonha democrática, eis que nos vêm agora surpreender novas e ainda mais mirabolantes manigâncias. Por razões desconhecidas, alguém decidiu que o novo referendo tem de ser feito este ano. Como a abstenção foi o principal problema do referendo anterior, inserir esta consulta à pressa a meio do trimestre de Inverno, que já inclui duas eleições, parece tolice rematada. Mas o povo recebe ordem dos deputados para inverter e substituir o anterior referendo o mais depressa possível. Para isso, mudam-se os prazos da Constituição, distorce-se a ordem das legislaturas e atropela-se o mais elementar bom senso, para conseguir tão teimoso propósito. Parece que os abortistas pretendem mostrar a todos a sua falta de decoro e de respeito pela legalidade. Mostram-se ansiosos para se denunciarem como subversivos e manipuladores.

Explicam a urgência pela necessidade de evitar a prisão e humilhação de mulheres pela prática do aborto. Mas quantas mulheres querem salvar deste destino? Zero. Não há nenhuma! É um esforço intenso para libertar exactamente ninguém. Aliás não havia julgamentos desses em Portugal, até precisarem deles para fazer manifestações.

Outra coisa que os incomoda é a hipocrisia, por toda a gente saber dos abortos clandestinos sem ligar nenhuma. Será que também vão propor a legalização da evasão fiscal, perante a ainda mais esmagadora e generalizada prática ilegal?

Mas o que todas estas coisas pretendem esconder, aquilo que tem de ser ocultado pela retórica, azáfama legal e balbúrdia democrática, é que ali está uma criança, que vai ser morta antes mesmo de poder respirar. Está ali uma pessoa que se trucida. Os defensores da legalização, naturalmente, negam identidade humana ao embrião. Tal como os esclavagistas faziam com os negros ou os nazis com os judeus.

Contradizer a verdade conhecida como tal é a base desta abominável campanha. Mas a cegueira do seu propósito extravasa agora para a afronta nos meios. É difícil compreender como pessoas civilizadas e cordatas caem nestes extremos. A não ser porque os deuses cegam aqueles que querem perder. Ou, como disse Alguém mais sábio, "àquele que tem, será dado; e ao que não tem, mesmo aquilo que tem lhe será tirado" (Mc 4, 25).

João César das Neves, in Diário de Notícias, 26 de Setembro de 2005

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