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quinta-feira, dezembro 23, 2010

O fim do optimismo progessista

O postulado sofista de que «o homem é a medida de todas as coisas» é uma velha atitude que vem repetindo ao longo da história. Na revolta do humanismo renascentista contra o medievalismo aparece de novo uma clara afirmação deste optimismo, ingenuamente arrogante.
M. S. Lourenço (1936-2009) no seu ensaio de 1998 "A Decadência do Ocidente em Wittgenstein e Spengler" identifica um fenómeno a que chama optimismo progressista. O autor relaciona-o com homens como Kant, mas também Fontenelle (1657-1757) nas Digression sur les anciens et les modernes (1688) e Condorcet (1743-1794), Esquisse d'un tableau historique des progrès de l'esprit humain (1795), bem como Comte, Taine, Renan e Herbert Spencer .

O Iluminismo está ligado a um optimismo, onde a bondade intrínseca do progresso é uma das consequências desta atitude de fundo: «Se, pois, se fizer a pergunta - Vivemos nós agora numa época esclarecida? - a resposta é: não. Mas vivemos numa época do Iluminismo. Falta ainda muito para que os homens tomados em conjunto, da maneira como as coisas agora estão, se encontrem já numa situação ou nela se possam apenas vir a pôr de, em matéria de religião, se servirem bem e com segurança do seu próprio entendimento, sem a orientação de outrem. Temos apenas claros indícios de que se lhes abre agora o campo em que podem actuar livremente, e diminuem pouco a pouco os obstáculos à ilustração geral, ou à saída dos homens da menoridade de que são culpados. Assim considerada, esta época é a época do Iluminismo, ou o século de Frederico.» Kant (1784)

Este é um texto sempre incensado e adorado, um texto que ninguém se atreveria a criticar. Mas temos de notar como essa crítica à condição anterior da humanidade sofre de uma espantosa arrogância implícita. O homem vivia em menoridade auto-imposta até ao Iluminismo e agora finalmente pode-se libertar. Como é possível passar um tal atestado de menoridade às ilustres épocas anteriores?

É uma arrogância algo ingénua, positiva e optimista, mas arrogante, sem dúvida. É difícil hoje não sorrir perante a arrogância ingénua deste optimismo. Mas além de sorrir, também estremecer quando se vêem as consequências que este optimismo trouxe à humanidade nas horríveis revoluções, guerras e cataclismos culturais posteriores a 1784. Obviamente que esses choques posteriores foram de encontro à ingenuidade humanista e modernista de confiança no poder humano.

Hoje vivemos em pleno a crítica dessa ingenuidade. Esta crítica não é propriamente uma novidade, nem nasceu com esta crise. Lourenço liga a recusa desse optimismo já a Nietzsche e Spengler mas, sobretudo depois da I Guerra Mundial, a Wittgenstein. Também o movimento post-modenista manifesta essa desilusão com o simplismo e a arrogância ingénua da Idade Moderna, sobretudo após o magno falhanço das duas guerras mundiais.

Na filosofia cristã, Romano Guardini (1885-1968) expressa ideias semelhantes no opúsculo «O Fim da Idade Moderna» de 1949: «O homem da Idade Moderna é de opinião que todo o desenvolvimento do poder é em si um "progresso"» Guardini (1949) 69. «a fé supersticiosa da burguesia na fiabilidade interna do progresso está muito abalada» Guardini (1949) p. 72.

Vivemos hoje na comodidade dos escombros desse optimismo progressista. Comodidade porque o progresso nos forneceu muitos benefícios, que hoje são considerados direitos inalienáveis. Mas, apesar disso, escombros, porque hoje não é possível mais ser optimista. Daqui vem o medo.

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